Todas Nossas Publicações

familianota7

Esperança

Sobre a Esperança…
Na Galeria Paulistana, no número 2050 da avenida Brigadeiro Luis Antônio, em São Paulo, no início dos anos 70, havia alguns restaurantes que serviam as pessoas que trabalhavam por ali. Um deles, russo, se chamava Zakuska, e depois virou japonês, o da Dona Keiko.
Nos andares do prédio ficava uma das maiores agência de propaganda do País da época. E nesse restaurante, além de muitos ali almoçarem, era o ponto do encontro paro o “happy hour”, durante muitos anos. Nessa época, a dona do restaurante russo, que em baixo tinha balcão, algumas mesas e ainda um mezanino de madeira com mais algumas, ficava sempre atrás do caixa e próxima às poucas mesas. Essa senhora, cujo nome se perdeu no tempo, aparentava ter uns cinquenta anos, magra, alta para nossos padrões, cabelos meio ruivos e sempre muito simpática e sorridente. Ela tinha um casal de filhos, ele um pouco mais velho, talvez uns trinta anos e a irmã, parecida com a mãe um pouco mais nova. Com frequência eles iam ao restaurante ajudá-la, eram igualmente simpáticos e muito carinhosos com a senhora.
Certa vez, como os companheiros da happy hour não apareciam e o whisky no copo com gelo e água, pedia uma conversa de acompanhamento. Um dos publicitários ali solitário, começou a conversar com a dona do restaurante. E foi perguntando como ela, russa, tinha vindo parar ali. E ela foi contando…
Nascera na Rússia e casara cedo. Tivera dois filhos. E com a chegada da guerra onde morava, perdeu o jovem marido. E toda sua família foi morta, sobraram ela, seu filho e sua filha. Sua cidadezinha foi bombardeada, prédios, casas, fazendas, tudo destruído. A única salvação para seus filhos e para ela, era fugir.
Citava nomes de localidades e regiões (Dinipe? Minsque? Moileve?…). Ela tinha de fugir. E não tinha para onde. Não conhecia nada. Sabia que tinha de fugir da guerra, dos exércitos alemães (que destruíam, matavam e estupravam) e também dos russos, que também estupravam, matavam, e destruíam fazendas e plantações. Ela só tinha uma ideia na cabeça: fugir. E tentar chegar a algum porto pelo qual pudesse sair do inferno. Esse inferno não acabava nunca! E ela sempre estava fugindo. Não tinha mais quase leite para dar a menorzinha. Roupas eram feitas de trapos que conseguia recolher. Abrigo era qualquer buraco, qualquer tapera. Contou que quando conseguia um estábulo era ótimo: o esterco era quente e assim aquecia seus filhos. Comer, até a terra disse que comeu. Ficar viva era o mais importante.
Pedia abrigo nas casas perdidas nos campos. Comia o que podia. Folhas e raízes cruas. Até ratos disse que assou. Ela tinha que permanecer viva e fazer seus filhos viverem. Não importava como. Tinha de sair do inferno com eles. E para isso tinha de enfrentar tudo e qualquer coisa. Fosse o que fosse. Soube que da Itália partiam navios para o outro mundo, um mundo sem guerra. Ela fixou a sua meta: ir para a Itália. Ela não sabia o que era a Itália, nem onde ficava. Mas perguntava. E para lá que ela foi. E agora, ela sabia que tinha atravessado a Polônia, a Tchecoslováquia, a Hungria, a Iugoslávia, a pé, com duas crianças, em meio a carnificinas da maior guerra. Mas chegou. Chegou num lugar chamado Trieste. Um porto. E conseguiu se meter num navio. Com as duas crianças salvas. O Navio vinha para o Rio de Janeiro.
Pasmo, o publicitário calculou: uns três mil quilômetros. E pasmo ainda de ver uma pessoa alegre, simpática, risonha, carinhosa…
– E o publicitário pergunta: onde a senhora encontrou tanta força?
– A senhora russa, dona do restaurante, responde: Na esperança, meu filho. Na esperança, nunca perdi a esperança.
O publicitário nunca se esqueceu deste fato.
Autor: Appio Antonio de Souza Ribeiro, 75 anos, um dos fundadores do Família Nota 7.

Compartilhe esse artigo!